Céu, BH.

Parece que alguém convocou a esperança
As ruas são jardins, eu danço nas calçadas
Parece que meus braços se transformaram em asas
Que a cada instante que voa eu possa tocar o céu
Que a cada instante que passa eu possa comer o céu – C.Bruni

(Quando alguém grita, a cidade responde!)
(Quando alguém grita, a cidade responde!)

Ainda sobre BH: com primeiros e segundos, entre parentêses, travessões e afins.

A minha primeira memória de Belo Horizonte: o cheiro de café torrado ao passar pela rua Jacuí, no bairro Renascença. A segunda, o tradicional passeio pelo Parque Municipal aos domingos (E a pirraça insistente para andar de barco – Eu quero! – mesmo assim não deu. E daí a primeira lição de vida: nem tudo pode se ter pelo grito). O que me admirava no centro da capital era o símbolo do BEMGE- o banco estatal que foi privatizado e não existe mais. Estava lá, estampado em um prédio de tantos andares. Vontade profissional primeira: ser motorista do transporte público, daqueles ônibus que atendiam os bairros (Eram máquinas fantásticas, com uma comunicação visual hipnotizante. Barulhentos, azuis ou vermelhos e com o jornalzinho pedindo gentileza urbana).

Bondosa.
Bondosa.

Não fui da época dos burburinhos políticos no Café Nice… Mas honrei as tradições belo-horizontinas: o Maletta foi ponto de encontro e divisor entre a adolescência e a vida adulta. Me perdi na primeira vez que saí sozinho, em um sábado, em direção ao bairro de Lourdes (para um aniversário). Liguei desesperado, de um tijolão 5120 da Telemig Celular, para me orientar (A cidade parecia estranha quando anoitecia). Nunca foi, coisa de primeira impressão – das ruas e avenidas tão largas e sua gente em passos rápidos para chegar em casa: ensinam que não se pode ter medo do cotidiano e da mudança. Não cresci na Serra, na Gameleira, em Venda Nova, em Santa Tereza, no Mangabeiras, no Caiçara ou no Barreiro. Mas vivi bons momentos em bairros que não deixam de ser tradicionais  e são tão familiares para mim (Ipiranga, Planalto, Tupi, Mirante do Tupi, Pampulha, União, Cidade Nova, Nova Floresta, Sagrada Família e outros tantos no eixo norte-nordeste). O primeiro emprego, na Universidade Católica… Eu sempre gostei da arquitetura do campus no bairro Coração Eucarístico. Me fazia sentir que estava em Ouro Preto. Não sei o motivo. (Aliás, tem muita sola do meu sapato pelo Coreu e pelo São Gabriel por causa dessas andanças que a gente empreende para conquistar os sonhos).

Sempre gostei dessa possibilidade da Serra do Curral abraçar 2 milhões de habitantes de uma vez só – sem distinção de nada, de graça, confortante. Acho um tanto surpreendente nossas construções, principalmente as praças. Estamos imersos em um mar de montanhas, que parecem não ter fim quando observadas do alto (E eu tive o gostinho de sobrevoar a cidade quase todos os dias por um tempo – mesmo que para reportar o caos). Minhas paixões maiores: o sotaque belohorizontês, bom de se ouvir; as histórias que aqui residem, verdadeiro patrimônio da humanidade.

Com primeiros e segundos, entre parênteses, travessões e afins.

[De Fernando Brant e Milton Nascimento: “A pulsação do mundo é o coração da gente”.]

Laterais.
Laterais.

Memórias cariocas.

O tambor que bate dentro de mim reverbera paz.
É um êxtase de sensações.
A palavra outro deveria se transformar em verbo: outrar.
É o ato de ter o outro: o novo, a transformação, a mudança.
Com árvores, anjos e arcanjos: sigo sem medo!
A pedra é a minha casca, minha proteção.
Sou feito de encontros e de pessoas.
Em cada parte de mim, boa parte delas.

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Sonhos.
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Corredor das dualidades.
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Pela Amizade.
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Assim, bem perto das estrelas: é bom.
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Ação.
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Fé.
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Escolhas.
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Hoje.

Alma quase lavada: a prisão dos 7 mensaleiros em Belo Horizonte.

A minha geração – nascida no finalzinho da década de 80 – aprendeu a discernir logo cedo que democracia e corruptos não deveriam combinar. Essa era a lição das horas cívicas de toda sexta, das onze da manhã até às 12; uma disciplina remanescente dos tempos de ditadura. Aliás, o colégio todo se reunia no pátio para louvar e exaltar o Brasil (e mesmo com todos os seus problemas! Há que se gostar da terra que cultivamos e fincamos raízes). Esse encontro dos jovens adolescentes e alunos com os professores ganhou outra roupagem na nova república: nem filosofia, nem sociologia, uma conversa descontraída sobre nós. Por isso sempre repito: meus contemporâneos são duais. Na “grade curricular”, o velho professor de química insistia em demonstrar o que as cargas negativas e positivas tinham em comum, colocando um quê de interdisciplinariedade. “O resultado é uma lei da atração física, universal, aplicada ao nosso cotidiano: lados opostos se atraem”.

O dia 15 de novembro de 2013 foi marcado pela prisão dos mensaleiros. O ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, expediu mandados de prisão para 12 réus. Em volta da sede da Polícia Federal, no bairro Gutierrez em Belo Horizonte, os moradores de prédios classe A se debruçaram em suas sacadas para ver o que muita gente classificou de show midiático. Entre bandeiras de Minas e do Brasil, a TV ao vivo estava lá embaixo. O rebuliço era por conta da entrega dos condenados. Simone Vasconcelos foi a primeira a chegar, ainda de tarde. Logo depois, os outros 6 réus que moram em Minas foram desembarcando de carros importados, um a um. Marcos Valério, o operador do mensalão, chegou de cabeça baixa, em um carro com vidro blindado e escuro. A ex-presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, veio acompanhada dos advogados; estava abatida e com semblante triste. Todos iam cumprir pena em regime fechado: menos o ex-deputado Romeu Queiroz.

A noite pode ter sido longa: os réus passaram a noite ali mesmo. As 2 mulheres em uma cela separada. Tudo sem luxo. Na manhã de sábado, a movimentação de jornalistas continuou intensa. Advogados concederam entrevistas. Pouco depois das 11 da manhã, uma van e carros da PF deixaram o local com os bandidos: sim, bandidos. A imprensa evitou usar esse termo por se tratar de gente rica. Não estavam condenados? Aqui vale uma definição:

  • MENSALÃO: disponibilização de recursos financeiros a partidos e parlamentares em troca de apoio em votações; a formação de “bases aliadas” é facilitada com estes pagamentos, incluindo a mudança de partidos pelos políticos.

Eles foram em direção ao Instituto Médico Legal, no bairro Gameleira, para realizar o exame de corpo de delito. Nas ruas da cidade, muita gente não entendeu do que se tratava o comboio. Ao chegar no IML, a ousadia de Marcos Valério ao se dirigir a um agente da polícia federal que o segurava.

– Incompetência!

A quem ele criticava? O exame durou cerca de 40 minutos. 3 peritos foram disponibilizados para atender os corruptos. Na saída, moradores do bairro cercaram a sede do IML. Eles tinham um recado claro:

– Ladrão, ladrão!

Do outro lado da rua, um agente da polícia federal tentou prender um popular por sua manifestação – digamos – mais incisiva. “Você tem que prender é eles. Não eu, um cidadão que está com sede de justiça. Corruptos são eles!” – Alma quase lavada. A prisão dos mensaleiros é simbólica: não resolve todos os problemas… mas faz nascer uma ponta de esperança, ainda bastante tímida. Esses são fatos históricos que temos prazer de presenciar.

Os arquivos.

Quando o técnico colocou luvas e pediu para diminuir a intensidade das luzes, logo pensou que estava diante de um grande achado. E era. As prateleiras se faziam grandes e altas; movidas com a ajuda de mãos e manivela. Os corredores não precisavam ser tão extensos… mas o espaço, todo climatizado, esse sim, merecia cuidados pontuais para conservar a papelada toda. O livro de capa em tons marrons veio envolto de uma energia de séculos passados.

– Esse é de 1711.

As páginas, amarelinhas pelo tempo, revelam a mais fina arte da taquigrafia. A tinta era viva, mesmo depois de mais de 300 anos. De lá, o registro de uma das cidades mais antigas do Brasil: Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo. Hoje, Mariana, a cidade-vizinha e irmã de Ouro Preto.

É mais uma – das tantas – riquezas do Arquivo Público Mineiro. O prédio que abriga a instituição – criada em 1895 – fica em Belo Horizonte, na Avenida João Pinheiro. A Constituição Estadual de 1891 ainda está bem preservada: de capa verde, veluda e moldada pelo tempo. Um mapa chama a atenção. Ele divide a cidade de Sabará em comarcas: parte de Vila Rica, parte de Pernambuco, parte do Rio das Mortes.

São documentos históricos preservados graças ao trabalho dos historiadores, sociólogos e demais cientistas.

Gastronomia no morro.

Pergunto como se escreve de forma correta o nome. “Wanusa. Com W. Com S. Sem V e sem Z.” A cozinheira logo me abordou com uma expressão de alegria. Queria mostrar a receita que conserva há tempos. Tem assa-peixe: fininha, verde e de espessura firme. Uma planta que cresce aos montes no Aglomerado Santa Lúcia, região sul de Belo Horizonte. “É de fácil preparo. A gente pega o assa-peixe e lava. Depois é só passar no fubá e na gema. Fazendo isso separados um do outro. Caiu na panela, tá pronto… crocante”. É servido com sofisticação. Para acompanhar o petisco, uma salada (…) feita também por dona Wanusa. Umbigo de banana, ora-pro-nóbis, azeite, alho e sal. “Delícia”. Ela brinca mais uma vez, dizendo que o assa-peixe é o peixe que não é peixe. De primeira vista, os vegetarianos podem torcer o nariz. Até a primeira degustação.

Ao olhar para o horizonte, o menino observa as casas simples e sustentadas por gente trabalhadora. Vê também a movimentação de jornalistas e chefs de cozinha bem ao lado. Eles vão participar do “Gastronomia no Morro”. O encontro é na Igreja. “Eu chamo aqui de condomínio. É meu lugar”. A frase é de Dona Jovem, que caminha bem serena pelo salão paroquial. Aos 85 anos, prepara um chá dos deuses. Aprendeu a fazer sozinha, conhecimento prático mesmo. No quintal de casa, a erva cidreira. Ela complementa com cravo e canela, para ficar mais saboroso. Água fervida com tudo misturado. Uma bebida saudável que já virou tradição nos encontros da comunidade. Enquanto isso, um corre-corre para finalizar o serviço. No cardápio: galopé, arroz com moranga, sobremesas e sucos. Todos preparados pelos cozinheiros locais. Prova de que é possível comer bem e pagar barato por isso.

O que vê o menino?
O que vê o menino?

O Aglomerado Santa Lúcia é composto por 4 vilas e 3.800 famílias. Também é famoso por abrigar uma das barragens de água da capital mineira. Padre Mauro Luiz é curador do Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos. O espaço aparenta estar bem no meio da comunidade. É um centro que recebe exposições para retratar a vida dos próprios moradores. Em um quadro daqueles antigos de escola, a palavra esperança está escrita em giz. Num outro ambiente, as obras de Pelé, um pintor que deixa na tela o cotidiano com muita sensibilidade. As fotografias estão dependuradas e mostram janelas e pessoas. Os objetos por lá também contam histórias: um caneco, uma imagem de Nossa Senhora, algumas bonecas. Tudo faz parte de quem construiu o lugar com fé em uma vida melhor.

Foi num sábado de dualidades – com chuva e sol, frio e calor – que a imprensa foi até a região. Não para mostrar crimes. O assunto? As potencialidades de moradores que desenvolveram um estilo próprio de cozinhar. Eles mostraram as técnicas para quem fez curso superior e gerencia cozinhas requintadas. Teve troca de experiências entre os cozinheiros do morro e dos chefs de restaurantes “chiques” da cidade. O melhor? Daqui pra frente eles vão fazer estágio nesses estabelecimentos. Palavra primeira para essa oportunidade? Empreendedorismo.

O dia do professor.

A estatística me atordoa. Um levantamento feito pelo Ministério da Educação (com professores de português e de matemática em todo o Brasil) mostra que 4 mil desses profissionais já sofreram algum tipo de violência. E isso em escolas particulares e públicas, com alunos da quinta a nona séries do ensino fundamental. As agressões físicas ocorrem em salas de aula, nos corredores e na saída dos colégios.

O 15 de outubro – há 50 anos esse foi o dia escolhido para homenagear os professores brasileiros – tem explicação histórica. Era o ano de 1827. O imperador Dom Pedro I determinou, através da revisão de um decreto, a criação da escola básica.  Com isso, a alfabetização, o desenvolvimento da escrita e de pequenos cálculos matemáticos passaram a ser itens fundamentais para garantir um futuro melhor para o país. A medida também estabeleceu o ensino gratuito. Celebrar o dia do professor, assim como diz o documento, é voltar-se para promover solenidades em que se “enalteça a função do mestre na sociedade moderna”.

Tive uma boa dose desses mestres em minha vida. Dona Maria do Carmo, da escola infantil. Com ar de gente brava mas com coração grande. Organizava a turma para tirar foto, para a excursão, para a formatura do terceiro período. Na primeira série, Tia Rose Mary. Incentivava o capricho com as coisas, a organização, a ter serenidade quando preciso. Ainda no colégio, os professores Rita de Cássia Teixeira Tavares Lopes, de língua Portuguesa, Patrícia Amaral, de matemática, Marcelo, de biologia, Valdeci, de matemática, Rosane, de redação, Flora de Geografia… e tantos outros que marcaram para sempre meu caminho como cidadão.

É preciso agradecer. É preciso reconhecer.

Girassóis.

Procurando pelo sol. Em busca da luminosidade ideal. Eu levei um susto ao encontrar tantos girassóis no jardim de casa. Simbolizando sorte e felicidade. Que assim seja. Pena que não tinha uma máquina fotográfica com o “macro”. Restou-me a do celular. Valeu o registro para a eternidade.

Assim mesmo: coladinho com a cerca de arame, em frente a porta, espalhados pelo terreno. Terra de quartzo, adubo, água e girassol.
Assim mesmo: coladinho com a cerca de arame, em frente a porta, espalhados pelo terreno. Terra de quartzo, adubo, água e girassol.

A reinauguração do Cine Brasil em Belo Horizonte.

Jornalistas, em noite de reinauguração, entram pela porta lateral.

Esperam num corredor frio e com algumas mesas e cadeiras – a não ser que você seja da TV Globo (que tem espaço reservado e cativo nos andares em que o restante não pode ir). Pouco importa. É logo na entrada que estão os colegas de profissão de outras emissoras e jornais. O fotógrafo checa a lente da câmera; o cinegrafista sorri para a moça bonita. Há um clima de descontração antes da chegada da assessora de imprensa para repassar informações sobre a solenidade.

O Cine Brasil agora se chama Cine Theatro Brasil Vallourec, pertencente a empresa Vallourec Tubos do Brasil S.A., que fabrica tubos de aço.  É o gigante da praça Sete. O prédio é da década de 30, com 7 andares. Point de Belo Horizonte no século passado. Funcionou assim até 1999… e ficou durante quase 15 anos fechado. Ao ser comprado pela Vallourec, passou por reforma. O que trouxe algumas surpresas. Em uma das paredes foi encontrado um quadro, com 200 metros quadrados, em estilo art déco, coberto por 5 camadas de tinta.

Agora, vida nova. O Cine ganhou ambientes dedicados à cultura. Tem lugar para apresentações teatrais, musicais e de cinema. Para a noite de gala, de reinauguração, a música de Milton Nascimento. A atriz Letícia Sabatella leu algumas frases de escritores e personalidades para homenagear Cândido Portinari. É que o local recebe a exposição “Guerra e Paz”, um dos mais notórios trabalhos do pintor. Os painéis são grandes: dois metros de largura por cinco de altura. Antes de serem montados em terras mineiras, passaram também por São Paulo e Rio de Janeiro. Belo Horizonte é a última cidade brasileira a recebê-los este ano. Depois vão seguir para uma exposição na França e, logo após, retornam para as Organizações das Nações Unidas, nos EUA.

Aliás, os quadros foram um presente do Brasil à ONU.

Cândido Portinari nasceu em 1903, numa cidadezinha de São Paulo. Mostrou que tinha vocação artística ainda criança. E nunca deixou essa paixão. Quando recebeu o convite para fazer “Guerra e Paz”, os médicos já haviam proibido Portinari de trabalhar com tintas. Uma tentativa para amenizar um quadro de envenenamento, causado pelo produto. Ele, correndo e assumindo todos os riscos, topou o desafio. O resultado? Uma das maiores e mais importantes obras que já realizou.  João Cândido Portinari, na noite da reinauguração do Cine, reforçou para a imprensa o quanto estava feliz.  O Filho do pintor Portinari revelou quanto trabalho deu para trazer as peças ao Brasil.

Espaços de Portinari no Cine Brasil:

2º andar
Painéis Guerra e paz – bem no palco do Grande Teatro. Eles foram ‘revelados’ ao público durante a reinauguração do Cine;

3º andar
Espaço para realização de oficinas;

5º andar
Releituras sobre o pintor Portinari. Os bordados do grupo Matizes Dumont, de Pirapora, norte de Minas, e esculturas de Sérgio Campos;

6º andar
Uma linha do tempo da vida e obra de Portinari. Ambiente interativo;

7º andar
Documentos e fotografias que mostram como foi o processo de encomenda e doação dos painéis. No local também existem alguns objetos pessoais que eram do pintor.

Serviço:

  • Aberto ao público de terça-feira a domingo, das 10  da manhã às 7 da noite. Até novembro.
O novo cine.
O novo cine.
Guerra e paz.
Guerra e paz.

Feminina.

Todos os dias ela está com um salto alto diferente. Preto, vermelho, amarelo, bege, violeta e até mesmo azul com bolinhas brancas. Passa primeiro pelo
tablado de madeira para anunciar que chegou. Não anda; desfila. Checa a maquiagem. É ritual antes de entrar no prédio em que trabalha. Não quer se abordada por algum eventual desleixo. Deseja olhares e comentários femininos e, principalmente também, masculinos. Passa o cartão, assina alguns documentos na entrada. Pega as encomendas e esbanja as unhas vermelhas cuidadosamente bem feitas para o porteiro e para a senhora da faxina. “Hoje, mais do que nunca, ela está atacadíssima”, comenta uma mulher com outra que espera a amiga do décimo primeiro andar para o almoço. Ela chama o elevador e se vê refletida no espelho da parede. Gosta do que vê e do que não vê: feminina, cheirosa, decidida. Resolveu colocar preto e fazer umas mechas diferentes no cabelo para se destacar. É mais Elke Maravilha, extravagante, livre pensadora.

– Bom dia.

Faz uma cara blasé… e também gosta de simplicidade. Sabe se adaptar aos mais diferentes ambientes, bem ao seu modo. Trabalha bem as
personalidades. Ri de si mesmo ao estar concentrada demais. Ninguém entende a loucura… é assim e pronto, sem questionar. Levanta depois de meia hora
resolvendo problemas. Pausa estratégica para o café. Ouve conversas, faz fofoca, faz social. Ao voltar, descobre que a filha não está bem no colégio. Faz
algumas ligações. Esperneia, grita, chora. Promete mundos e fundos. Exige da filha estudo e foco. Diz que vai pagar aula particular e cortar a internet da própria casa.

Já é o horário do almoço e ela avisa que não vai voltar. Pega a chave do carro. Sai sem destino… tira os saltos, se descabela ao andar na praça do Papa. Quer
sentir vento na cara, cheiros inconfundíveis, o azul do céu. Ela cresceu muito rápido e teve desde muito cedo muitas responsabilidades. Quer resolver os
problemas familiares. A disputa judicial tira o foco e a energia de sua vida. Se desespera ao pensar perder o controle da situação.

Ao anoitecer, vai para a casa. Pensa numa aposentadoria saudável. Torce para que a filha se forme em medicina. Dois coelhos em uma cajadada só: não precisaria de pagar um plano de saúde e teria uma médica exclusiva para cuidar da sua saúde. Mas já sabia que isso seria bastante improvável. No fundo, não queria ter uma vida padrão. Nem pra ela, nem para seus familiares.

Furacão.
Furacão.

 

As impressões sobre o 18 de junho.

Estacionou o carro de reportagem na entrada da Universidade Federal. Ali estavam outros veículos da imprensa. Os helicópteros já sobrevoavam o local. Antes estava na Cidade Administrativa, na região norte de Belo Horizonte. O governador Antônio Anastasia disse que as manifestações eram legítimas; e que a polícia iria preservar as áreas públicas da depredação por parte de vândalos infiltrados nas passeatas. Um comandante da PM também falou sobre o assunto – que os possíveis casos de abuso policial no dia 17 de junho vão ser investigados pela corregedoria.

Às 17 horas, os alunos da UFMG começaram a se reunir na porta da universidade. A movimentação dos alunos foi grande. Alguns me cobravam, por estar com um microfone, que a imprensa deveria promover o debate sobre a PEC 37, educação, cura gay, tarifa do transporte coletivo – essas são algumas das causas mais presentes no burburinho da manifestação. Os alunos seguiram para a Avenida Antônio Carlos. Fecharam as três pistas da via. Deixaram alguns ônibus passarem – e neles, os passageiros com câmeras em mãos… muitos aplaudiam! Outros, xingavam. Paciência: assim é a democracia. Pouco tempo depois, o hino nacional – de arrepiar!

As manifestações ocorreram em várias regiões da cidade. Às 19h todos estavam no centro de Belo Horizonte: protestando pelas melhorias. A grande maioria pedia, sem vandalismo, sem crime. A mobilização se deu também pela internet.

“Galera gostaria de falar algumas coisas sobre o ATO NA UFMG – BH ACORDOU ! PARA TUDO NA ANTÔNIO CARLOS que aconteceu ontem, foi ótimo do inicio ao fim andamos da UFMG da Antônio Carlos á praça sete, ví pessoas de ônibus descendo e se juntando ao movimento, pessoas que chegaram no meio da manifestação e muitas pessoas que mesmo não podendo se juntar a nós, estavam nos dando força, mas fiquei extremamente furioso com o que aconteceu no fim da noite, por volta de 21:40 um pequeno grupo de 3, 4 pessoas estava jogando bombinhas e pedras na prefeitura municipal, logo depois esse grupo se tornou um numero de 10 pessoas colocando fogo no meio da rua e DESTRUINDO a prefeitura municipal, o movimento é SEM VANDALISMO e depredar patrimônio publico é CRIME, depois me vem usar a bandeira do Brasil como manto e quer que a policia não atira por que a bandeira é considerada patrimônio publico. O lugas desses vândalos, desses delinquentes é junto aos nossos inimigos políticos, atrás das grades, é tudo verme do mesmo tipo a unica diferença é que os políticos roubam nosso dinheiro e não fazem nada pela cidade, já esses vândalos não fazem nada pela cidade e ainda a DEPREDAM, se você está vindo apenas para isso, não venha, você não é bem vindo, agora vocês deram motivo para tropa de choque vir e fazer a repressão… vamos manifestar PACIFICAMENTE E SEM VANDALISMO!!!” – Gustavo Henrique Silva

“Ontem a noite na praça 7 um pequeno grupo de 3 ou 4 pessoas estava jogando bombinhas e pedras na prefeitura municipal, logo depois esse grupo se tornou um numero de 10 pessoas colocando fogo no meio da rua e degradando a prefeitura municipal, os VÍDEOS mostram estranhamente a AUSÊNCIA da Polícia Militar durante o vandalismo (Atenção NESTE PONTO: ENTRELINHAS É TUDO). Isso tudo somente reverte a opinião pública contra o movimento!…NÃO PERCAM O FOCO”.
*Eles têm Armas, Nós temos 3G e Facebook! – Camila Almeida Felix

Brasil, confia em mim.

Gostaria de ter conhecimento de causa: de onde vem o tom imperativo e de que tudo está certo por parte de nossos governantes? Outro dia, ouvi do meu pai que sou utópico e idealizador além da conta. Ele me disse que desconheço o que é a política atualmente no país. Em suma, troca de favores e interesses em prol de algo desejado. Ele, empresário, ensino fundamental incompleto… mas formado pela escola da vida. Eu, jornalista, ensino superior completo e recém batizado na escola da vida. Conclusão? Sabedoria a gente ganha com o tempo. “Já dizia alguém nesses caminhos, filho: se a gente quiser, podemos com certeza reescreever um novo final. Talvez não verei o desfecho disso tudo… mas a sua geração, sim”.

Outro dia, conversava com uma amiga sobre as novelas brasileiras. Há sempre uma que se destaca; é certo que o Brasil desenvolveu nas últimas décadas uma linguagem própria e todo um repertório para fazer essas produções televisivas. Vingou, o mundo inteiro consome esse tipo de produto. Ela, 39 anos, viveu o período da transição da ditadura para a democracia. Eu, 25 anos, a chamada geração Y e que pouco lembra do movimento caras-pintadas e do fantasma da inflação. Me dizia sobre Vale Tudo, exibida no ano de meu nascimento, o quando a novela foi atual e pertinente para a época – de mudança, de novos ares, de esperança.

Leila e Marco Aurélio fogem do Brasil com Bruno (Danton Mello) e o executivo ainda dá uma banana para o Brasil. Ivan é preso pelo processo de corrupção. Heleninha consegue superar seus problemas de alcoolismo e Afonso, novamente com a ajuda de Sardinha, descobre que o bebê de Solange é mesmo dele e os dois podem viver felizes para sempre. – Retirado do site Teledossiê.

Encontrei alguns capítulos no Youtube. E a cena descrita acima, a que mais me marcou.

A música da abertura da novela, de Cazuza, é sugestiva, embalada pelo verbo terminar: terminar no sentido de que já deu; era preciso avançar, politicamente e socialmente. Nascia assim um novo egregóra para o país.

Brasil!
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim…

O Brasil é um país surpreendente. O seu povo também. O que me parece é que estamos acordando para tanta corrupção, burocracia e faltas que nos emperram e não nos deixam seguir. Mas fica claro aqui uma coisa. Quando conheci a multifunções Elke Maravilha, uma frase dela que ficou para sempre em mim: “Quando emoção sai do coração, vira bandeira, vira partido… não dá certo. A nossa única saída possível é exercitar o amor”.