São Thomé das Letras: primeiras impressões

São Thomé das Letras tem o poder incrível da união. Quem é esse santo que opera milagres? Eu confesso: tive medo ao dirigir pela estrada que vai para lá. Na primeira vez, fui à noite. Não deu pra ver a paisagem. Mas tinha bruma, uma pequena ponte no meio da rodovia, árvores e um friozinho gostoso. Ainda no carro falávamos sobre coisas místicas – de forma inacreditável (sobre o poder do pensamento, reencarnações, a cura com os conhecimentos históricos das bruxas). Ao subir a montanha, um portal – todo de pedra. Uma rua ora asfalto, ora pedra. Tudo é pedra, minha primeira energia, minha primeira essência. Quem é que não chega em São Thomé e percebe que está em outro mundo? É essa a impressão que tive. Era por volta da meia noite. Queríamos um restaurante para comer. Não encontramos. Entramos em um barzinho para comer chocolate. Encontramos gente desejando paz e amor.

 

E se há luz, tudo muda. Há uma corrente que insiste em dizer: volta! E foi assim.Da noite sem lua cheia para o sol de 30 graus. A gente voltou. E percebeu que a cidade, ainda no caminho da estrada, tem uma luz própria. Branco com verde – palavra primeira aqui: pedra!

Adotei o Sul de Minas

Algumas observações. Desembarquei no Sul de Minas há 3 meses. Vim com a mudança toda – ou melhor, com o que coube no carro. Trouxe um só cobertor e levei como troco um frio de 3 graus! Primeiro descobri que o café no pé não tem aquele cheiro de café – típico de gente criada em cidade grande. Me chamaram de “quarta-feira” por causa disso (…) Ou seja, lerdo! Em Pouso Alegre, onde moro, o povo fala “capaz” a cada 10 palavras. É “capaz” pra tudo. Como se fosse o nosso “trem” e “uai” belorizontês. Alguns estranham quando solto um “véi” no meio ou no final da frase. Aprendi a gostar do sotaque sul mineiro – essa mistura de R levemente acentuado com palavras não-cantadas. Uma adaptação bem melhor do sotaque paulista do interior. Eles falam bem tranquilamente quando não estão nervosos. Tem um quê de charme nisso. Aliás, ô povo bonito! Fisicamente e de alma! Voltei a ter fé na humanidade. São as pessoas mais acolhedoras que já encontrei nessas andanças por Minas! Por falar em andar, outro dia esbarrei num senhor no corre-corre da área central daqui. Ele me disse que os pedestres também devem observar um modo de circular: “fica à direita se você quer descer…. e à esquerda se quer subir!” O talão do rotativo é chamado de faixa azul. Quando você ri, você deve falar “trinquei”. Vendem um tal de “cigarrete” nas lanchonetes. É um enrolado frito de presunto e queijo. Tem pastel de farinha de milho a cada esquina. Pra acompanhar, a galera toma um “Jota Efe”. Quando tá na balada e tá quase bêbado, tá no “grauzinho”. Não é BR 381, é Rodovia Fernão Dias! Tô perto de Monte Sião, Ouro Fino, Borda da Mata e Jacutinga – roupa de frio nesses lugares é vendida por uma pechincha! Têm muito chinês e japonês: pra todo lugar que você olha! Parte do Vale do Silício brasileiro fica próximo, numa cidade bem simpática, Santa Rita do Sapucaí. E Poços de Caldas? Ô cidade uai! Varginha, São Thomé das Letras, São Lourenço, Monte Verde: sem comentários! Se dobrar a esquina, tô em São José dos Campos e Campos do Jordão, ambos em SP. O litoral mais próximo é o de São Paulo… e o povo vai sempre pra Ubatuba. Os municípios não passam de 150 mil habitantes… e de vez em quando alguém reclama do trânsito – que se estende, no máximo, por alguns poucos quarteirões e apenas no horário em que acaba o turno das escolas. Isso que é qualidade de vida! Já adotei o Sul!

A metade de 52.

Assim prefiro que sejam sempre pares. Quem é que não dá credibilidade – mesmo que em algumas situações – para a
numerologia? É mais fácil acreditar nela quando os tempos estão ou são difíceis! E se a matemática dos números aponta uma luz no fim do túnel, ah, tanto muito bom, é legítima. Qualquer palavra de apoio serve! 26 é a metade de 52… é a prova que se tem ainda uma vida pela frente. Não prometo nada para a nova idade e nem coloco grandes expectativas. Anseio pela paz e a serenidade! Ou quem sabe pelos dias no sítio vivendo minha essência, no meio do mato, de estar com tranquilidade; longe um pouco do barulho do mundo que me faz tão mal.

A verdade é que nunca fiz planejamentos. Me deixei guiar pela intuição… Hoje, um ser humano mais completo. Este é meu tempo de travessia, um retrato fiel de como serei aos 30… Fui criado para o imprevisível, pela mudança e para encontrar respostas frente aos problemas. Mas o coração de menino ainda bate forte e sem nenhuma burocracia para ser feliz. Ainda me lembro do último sonho da última noite. Ao caminhar com os amigos não demonstro preocupações. E nós subimos ruas com cheiro de terra molhada. Escalamos pedras e barrancos… Sem querer, ameaço cair! Até ser acolhido pelo irmão. É tudo muito consciente. Avisto a cachoeira, o quartzo e o mato. Fazemos uma oração.

Eu gosto dos 26, essa idade intermediária. Mas ela me assusta, como quando o garotinho corre para debaixo da cama com medo do barulho do helicóptero. É uma outra face, aquela de ser frágil. É neste ponto que um verbo incomoda: escolher. O que seguir, o que fazer, como proceder? Todos se resumem em uma escolha.

É como se fosse uma adolescência na idade adulta. E o fado me convida para dançar.

Agora não falta mais.
Agora não falta mais.

Ainda sobre BH: com primeiros e segundos, entre parentêses, travessões e afins.

A minha primeira memória de Belo Horizonte: o cheiro de café torrado ao passar pela rua Jacuí, no bairro Renascença. A segunda, o tradicional passeio pelo Parque Municipal aos domingos (E a pirraça insistente para andar de barco – Eu quero! – mesmo assim não deu. E daí a primeira lição de vida: nem tudo pode se ter pelo grito). O que me admirava no centro da capital era o símbolo do BEMGE- o banco estatal que foi privatizado e não existe mais. Estava lá, estampado em um prédio de tantos andares. Vontade profissional primeira: ser motorista do transporte público, daqueles ônibus que atendiam os bairros (Eram máquinas fantásticas, com uma comunicação visual hipnotizante. Barulhentos, azuis ou vermelhos e com o jornalzinho pedindo gentileza urbana).

Bondosa.
Bondosa.

Não fui da época dos burburinhos políticos no Café Nice… Mas honrei as tradições belo-horizontinas: o Maletta foi ponto de encontro e divisor entre a adolescência e a vida adulta. Me perdi na primeira vez que saí sozinho, em um sábado, em direção ao bairro de Lourdes (para um aniversário). Liguei desesperado, de um tijolão 5120 da Telemig Celular, para me orientar (A cidade parecia estranha quando anoitecia). Nunca foi, coisa de primeira impressão – das ruas e avenidas tão largas e sua gente em passos rápidos para chegar em casa: ensinam que não se pode ter medo do cotidiano e da mudança. Não cresci na Serra, na Gameleira, em Venda Nova, em Santa Tereza, no Mangabeiras, no Caiçara ou no Barreiro. Mas vivi bons momentos em bairros que não deixam de ser tradicionais  e são tão familiares para mim (Ipiranga, Planalto, Tupi, Mirante do Tupi, Pampulha, União, Cidade Nova, Nova Floresta, Sagrada Família e outros tantos no eixo norte-nordeste). O primeiro emprego, na Universidade Católica… Eu sempre gostei da arquitetura do campus no bairro Coração Eucarístico. Me fazia sentir que estava em Ouro Preto. Não sei o motivo. (Aliás, tem muita sola do meu sapato pelo Coreu e pelo São Gabriel por causa dessas andanças que a gente empreende para conquistar os sonhos).

Sempre gostei dessa possibilidade da Serra do Curral abraçar 2 milhões de habitantes de uma vez só – sem distinção de nada, de graça, confortante. Acho um tanto surpreendente nossas construções, principalmente as praças. Estamos imersos em um mar de montanhas, que parecem não ter fim quando observadas do alto (E eu tive o gostinho de sobrevoar a cidade quase todos os dias por um tempo – mesmo que para reportar o caos). Minhas paixões maiores: o sotaque belohorizontês, bom de se ouvir; as histórias que aqui residem, verdadeiro patrimônio da humanidade.

Com primeiros e segundos, entre parênteses, travessões e afins.

[De Fernando Brant e Milton Nascimento: “A pulsação do mundo é o coração da gente”.]

Laterais.
Laterais.

Outono que me ensina a fazer renda. Eu ensino a namorar.

[O tempo é meu lar.] E sempre será. A lágrima vem fácil. Passa pelo coração e ganha os olhos em segundos. Só o tempo deixou mais claro e pontuou o que significou aquela experiência de 15 dias em uma cidade totalmente desconhecida. A vida, ao vivo, sem cortes e sem edição. Poeira, terra seca, uma paisagem e cheiros inconfundíveis. Ao olhar pela janela do ônibus, a lua tinha outra nitidez. Nem sei a razão de ter embarcado naquele julho de 2007 (Coisas que deixo para um outro mundo explicar. Aqui, cabe sentir saudades.)

[Pra Nhá Terra] A criança chora e o mundo desperta (boi, boi, boi da cara preta: pega esta menina que tem medo de careta). O orvalho cai delicadamente das flores e revela toda sua explosão de vontade ao se encontrar com a areia. O cheiro do café, preparado no fogão à lenha. O quão bucólico é a serração pela manhã. O canto dos pássaros a procurar um rumo. Colocar os pés na água que vem do riachinho e, vez ou outra, conversar com amigos imaginários que estão ali a observar. A árvore, a pedra, a água, os sons puros, o ar renovador. [Abacateiro, sabes ao que estou me referindo?] Lá, na casinha sustentada apenas pela força do amor, a mulher fazendo renda. Calmamente.

[Eu choro de cara suja!] Embalado por Drummond, identifico poesia nas montanhas de Minas e vice-versa. Apesar de ser outono, este é um período de floração. Pouco importa: está tudo ao contrário. O anúncio de uma nova vida. [A roda que rola. Rosa e amarelo, misture pra ver o tom. Junte o vermelho, verde e o azul. E vá colorir!] Colorir um caminho de cores fortes e marcantes. Ao que realmente importa, viver sem amarras e sem medo de amar. [O que todo tamarindo tem.]

Papagaio de toda cor.
Papagaio de toda cor.

25 motivos.

Cenas que se repetiam: do trabalho para a praça do Papa. Era para chorar todas as mazelas de Belo Horizonte. Não foi uma, nem duas vezes. Várias. Chorar pelo descontrole que chegamos: pela senhora passando fome, pelo menino pedindo esmola, pela indiferença, pela prepotência dos políticos, pelo ego, pela violência, pela corrupção, pela falta de educação, pelo barulho, pelo trânsito caótico, pela imprensa vendida, pela fragilidade do ser humano, pelas causas dispensáveis, pela mesquinharia, pelo sentimento ruim que está aí, de uma maneira geral. Era quase um ritual, um grito de parcimônia ao universo e para alguma força maior. Minha fé é fraca e por isso tenho medo dos caminhos que insistimos em seguir: razão de lavar a alma sempre. Algumas coisas que passaram e ainda sinto – muita – falta: Da infância – em comunidade – que tive na capital. Da gentileza, de ter tempo para a convivência com a família, de não sentir preocupação de chegar tarde em casa. De conversar com o vizinhança, sem ter hora para acabar. De dormir até tarde no sábado e soltar papagaio aos domingos. Andar de bicicleta pelas ruas do bairro. Coisas simples que hoje se tornaram tão sofisticadas – pelo menos para mim; Da bagunça no ônibus com os amigos da escola. De acordar cedo pensando em encontrar aquela rotina que se resumia a estudar; De quando minhas pernas cabiam nos brinquedos do parque municipal. Do sorriso fácil das pessoas. De quando a vida parecia ser mais tranquila, sem grandes tecnologias e redes sociais.

São apenas saudades.

Achava que podia ser útil quando me formei na faculdade. Hoje, a conclusão um tanto dura: não cumpri nem 1/4 das promessas que fiz… O juramento do curso de jornalismo me atordoa e ainda, sim, me instiga. “Buscarei o aprimoramento das relações sociais e humanas, através da crítica e análise da sociedade, visando um futuro mais digno e mais justo para todos os cidadãos brasileiros”. Todo mundo deve ter algumas utopias como forças motivadoras.

Sobre Belo Horizonte: há muito o que se fazer aqui. Queria ter me dedicado mais às causas da cidade… não apenas reportar mantendo insensibilidade. Criar uma ONG, participar de debates, mobilizações… ou até mesmo fazer a cobrança de projetos por parte do poder público (afinal, sou das ciências sociais aplicadas!)… É, não deu, não foi exatamente como queria e como gostaria. Faltou energia, sobraram teorias e impostos a pagar. Literalmente empurrando com a barriga problemas urgentes, de todos. Uma reflexão: está tudo errado. É hora de recomeçar. Estando distante talvez fique mais fácil encontrar soluções para os problemas cotidianos. Assim vou, lutando pelo o que acredito.

Ah, Belo Horizonte: você é meu amor bandido. E vou sentir falta. Estou de mudança, mas com data marcada para voltar. Esta não é uma carta de desistência ou renúncia. É como se fosse um até breve para a cidade que me acolheu.

Iluminação de natal em 2013 – Belo Horizonte.

Além disso, existem outros artigos decorativos na praça. Vale o passeio.
O verdadeiro espírito. O verdadeiro espírito.
As cores para este ano que predominam na decoração: azul anil, branco e verde. Para lembrar um paixão: a do brasileiro pelo futebol.
As cores para este ano que predominam na decoração: azul anil, branco e verde. Para lembrar um paixão: a do brasileiro pelo futebol.
A praça da liberdade recebeu mais de 1 milhão de micro lâmpadas para comemorar o natal.
A praça da liberdade recebeu mais de 1 milhão de micro lâmpadas para comemorar o natal.

Alma quase lavada: a prisão dos 7 mensaleiros em Belo Horizonte.

A minha geração – nascida no finalzinho da década de 80 – aprendeu a discernir logo cedo que democracia e corruptos não deveriam combinar. Essa era a lição das horas cívicas de toda sexta, das onze da manhã até às 12; uma disciplina remanescente dos tempos de ditadura. Aliás, o colégio todo se reunia no pátio para louvar e exaltar o Brasil (e mesmo com todos os seus problemas! Há que se gostar da terra que cultivamos e fincamos raízes). Esse encontro dos jovens adolescentes e alunos com os professores ganhou outra roupagem na nova república: nem filosofia, nem sociologia, uma conversa descontraída sobre nós. Por isso sempre repito: meus contemporâneos são duais. Na “grade curricular”, o velho professor de química insistia em demonstrar o que as cargas negativas e positivas tinham em comum, colocando um quê de interdisciplinariedade. “O resultado é uma lei da atração física, universal, aplicada ao nosso cotidiano: lados opostos se atraem”.

O dia 15 de novembro de 2013 foi marcado pela prisão dos mensaleiros. O ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, expediu mandados de prisão para 12 réus. Em volta da sede da Polícia Federal, no bairro Gutierrez em Belo Horizonte, os moradores de prédios classe A se debruçaram em suas sacadas para ver o que muita gente classificou de show midiático. Entre bandeiras de Minas e do Brasil, a TV ao vivo estava lá embaixo. O rebuliço era por conta da entrega dos condenados. Simone Vasconcelos foi a primeira a chegar, ainda de tarde. Logo depois, os outros 6 réus que moram em Minas foram desembarcando de carros importados, um a um. Marcos Valério, o operador do mensalão, chegou de cabeça baixa, em um carro com vidro blindado e escuro. A ex-presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, veio acompanhada dos advogados; estava abatida e com semblante triste. Todos iam cumprir pena em regime fechado: menos o ex-deputado Romeu Queiroz.

A noite pode ter sido longa: os réus passaram a noite ali mesmo. As 2 mulheres em uma cela separada. Tudo sem luxo. Na manhã de sábado, a movimentação de jornalistas continuou intensa. Advogados concederam entrevistas. Pouco depois das 11 da manhã, uma van e carros da PF deixaram o local com os bandidos: sim, bandidos. A imprensa evitou usar esse termo por se tratar de gente rica. Não estavam condenados? Aqui vale uma definição:

  • MENSALÃO: disponibilização de recursos financeiros a partidos e parlamentares em troca de apoio em votações; a formação de “bases aliadas” é facilitada com estes pagamentos, incluindo a mudança de partidos pelos políticos.

Eles foram em direção ao Instituto Médico Legal, no bairro Gameleira, para realizar o exame de corpo de delito. Nas ruas da cidade, muita gente não entendeu do que se tratava o comboio. Ao chegar no IML, a ousadia de Marcos Valério ao se dirigir a um agente da polícia federal que o segurava.

– Incompetência!

A quem ele criticava? O exame durou cerca de 40 minutos. 3 peritos foram disponibilizados para atender os corruptos. Na saída, moradores do bairro cercaram a sede do IML. Eles tinham um recado claro:

– Ladrão, ladrão!

Do outro lado da rua, um agente da polícia federal tentou prender um popular por sua manifestação – digamos – mais incisiva. “Você tem que prender é eles. Não eu, um cidadão que está com sede de justiça. Corruptos são eles!” – Alma quase lavada. A prisão dos mensaleiros é simbólica: não resolve todos os problemas… mas faz nascer uma ponta de esperança, ainda bastante tímida. Esses são fatos históricos que temos prazer de presenciar.

Luiza.

Luiza tem sobrenome italiano e parentesco com um ator e humorista famoso. Um doce de pessoa, de calma excepcional. Calculava todos os passos antes de chegar na sala de aula – ensaiava, involuntariamente, como seria sua trajetória até sua carteira… como abriria o caderno e como seria o intervalo. Sentava bem ao fundo com outras duas amigas. Era a típica tímida, com direito a todos os estereótipos de quem não tem a comunicação como ponto positivo. Quando apresentava trabalho na faculdade, falava baixo. Tão baixinho que certa vez o professor perguntou para o aluno ao lado se ela estava com algum problema.

 – Brigou com o namorado?

Desviava o olhar… pensava muito para argumentar e não escondia o desconforto ao falar em público. Um fato: não queria chamar atenção. Talvez nem desconfiava que seu próprio jeito de ser atraía todos os holofotes – mesmo de forma involuntária, sem aquele esforço que o aluno faz para ganhar os méritos de um destaque acadêmico do semestre.

Quando fazia frio, ia de vestido. No calor, preferia calça jeans e sapatos all star. Usava óculos e, por isso, um tom intelectual tomava conta de sua energia pessoal. O bom é que se transformava nas festas. Sim, eram situações duais… e sem ser geminiana. Na verdade, deixava sair tudo aquilo que reprimia: uma grande mulher, linda e inteligente. Até se arriscava beber alguns copos de refrigerante e dançar como se ninguém estivesse assistindo. Seus passos, em dias mais descontraídos, inspiravam segurança.

Luiza declarou, algumas vezes, que não sabia o que queria ser profissionalmente. Até se encontrar na fotografia (E numa dessas, no laboratório, abri um de seus arquivos sem permissão. Queria saber quem era ela. Uma esfinge. Encontrei sensibilidade). Dias atrás, a procurei na rede social. Continua linda. E, pelas fotografias, parece que descobriu sua verdadeira essência. Se mudou do país: colocou em seu perfil uma foto da infância; outra de uma paisagem europeia e um registro dela mesmo… olhando para o além.

Talvez não pudesse prever que a vida assim seria. De fases. Cada uma ao seu tempo, tendo parcimônia e sabedoria para encará-las bem ao jeito Luiza.

Os arquivos.

Quando o técnico colocou luvas e pediu para diminuir a intensidade das luzes, logo pensou que estava diante de um grande achado. E era. As prateleiras se faziam grandes e altas; movidas com a ajuda de mãos e manivela. Os corredores não precisavam ser tão extensos… mas o espaço, todo climatizado, esse sim, merecia cuidados pontuais para conservar a papelada toda. O livro de capa em tons marrons veio envolto de uma energia de séculos passados.

– Esse é de 1711.

As páginas, amarelinhas pelo tempo, revelam a mais fina arte da taquigrafia. A tinta era viva, mesmo depois de mais de 300 anos. De lá, o registro de uma das cidades mais antigas do Brasil: Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo. Hoje, Mariana, a cidade-vizinha e irmã de Ouro Preto.

É mais uma – das tantas – riquezas do Arquivo Público Mineiro. O prédio que abriga a instituição – criada em 1895 – fica em Belo Horizonte, na Avenida João Pinheiro. A Constituição Estadual de 1891 ainda está bem preservada: de capa verde, veluda e moldada pelo tempo. Um mapa chama a atenção. Ele divide a cidade de Sabará em comarcas: parte de Vila Rica, parte de Pernambuco, parte do Rio das Mortes.

São documentos históricos preservados graças ao trabalho dos historiadores, sociólogos e demais cientistas.

Por si só.

São de realidades diferentes.
Ela é budista, ele kardecista.
Ela prefere baladas, ele tranquilidade.
Ela não dispensa um encontro com as amigas, ele o silêncio e o ato de estar só.
Ela viajou o mundo, ele ainda não saiu de Minas.
Ela é de maquiagem, ele gosta de natureza selvagem.
Ela tem um ar blasê, ele de simplicidade.
Ela se faz de esquerda, ele vive a esquerda.
Ela é bonita, ele feio.

Por isso, não se tentam.
Arriscam estarem só e por si só.
Mesmo com a troca de olhares e vontade latente.
Querem a possibilidade de terem um com o outro tudo.
De serem uma unidade.
Mas são de realidades diferentes.

Do estar.

Há uma vontade que nasce no coração e quer fugir para outros lugares.
Tenta não julgá-la, apenas sente e quer entender. É apenas um sinal do corpo?
Assim ele é sempre quando a lua é nova; o depois de um outubro de transição: o que será?
Ao fechar os olhos, a imagem revela castelos medievais.
Consegue sentir a brisa, mesmo que não seja mais real.
De outros tempos! – Quer correr pelos campos. Abraçar as senhoras que usam longos vestidos multicores, com rendas bem trabalhadas.

O sino da igreja emite um som inconfundível e bem forte.
As carroças e seus cavalos se recolhem.
O homem prepara uma fogueira.
A energia elétrica ainda demoraria para ser inventada.
Tantas velas em um mesmo ambiente!

Pretende repousar em uma grande pedra – bem no alto da montanha – ao anoitecer.
E sair quando um chamado maior acontecer.
Tudo ainda parece muito confuso. E tão familiar.
Deseja não acordar. Aqui é melhor, aqui não é cruel.
A onda de água salgada invade casarões antigos, sustentados pelas histórias de pessoas simples e sábias.
Não é mais inverno. As flores lhe dão alergia. Os espirros saem com mais força.
O sonho de um menino que, ao longo dos séculos, desconfia de quem seja.
Ser. Um dos verbos mais significativos do mundo.
Descobrir o que fez em outros verões está mais latente.
Torna-se um artigo de necessidade.
Então é por isso… deixa pistas na expectativa que vá encontrar ele próprio.