Ainda sobre BH: com primeiros e segundos, entre parentêses, travessões e afins.

A minha primeira memória de Belo Horizonte: o cheiro de café torrado ao passar pela rua Jacuí, no bairro Renascença. A segunda, o tradicional passeio pelo Parque Municipal aos domingos (E a pirraça insistente para andar de barco – Eu quero! – mesmo assim não deu. E daí a primeira lição de vida: nem tudo pode se ter pelo grito). O que me admirava no centro da capital era o símbolo do BEMGE- o banco estatal que foi privatizado e não existe mais. Estava lá, estampado em um prédio de tantos andares. Vontade profissional primeira: ser motorista do transporte público, daqueles ônibus que atendiam os bairros (Eram máquinas fantásticas, com uma comunicação visual hipnotizante. Barulhentos, azuis ou vermelhos e com o jornalzinho pedindo gentileza urbana).

Bondosa.
Bondosa.

Não fui da época dos burburinhos políticos no Café Nice… Mas honrei as tradições belo-horizontinas: o Maletta foi ponto de encontro e divisor entre a adolescência e a vida adulta. Me perdi na primeira vez que saí sozinho, em um sábado, em direção ao bairro de Lourdes (para um aniversário). Liguei desesperado, de um tijolão 5120 da Telemig Celular, para me orientar (A cidade parecia estranha quando anoitecia). Nunca foi, coisa de primeira impressão – das ruas e avenidas tão largas e sua gente em passos rápidos para chegar em casa: ensinam que não se pode ter medo do cotidiano e da mudança. Não cresci na Serra, na Gameleira, em Venda Nova, em Santa Tereza, no Mangabeiras, no Caiçara ou no Barreiro. Mas vivi bons momentos em bairros que não deixam de ser tradicionais  e são tão familiares para mim (Ipiranga, Planalto, Tupi, Mirante do Tupi, Pampulha, União, Cidade Nova, Nova Floresta, Sagrada Família e outros tantos no eixo norte-nordeste). O primeiro emprego, na Universidade Católica… Eu sempre gostei da arquitetura do campus no bairro Coração Eucarístico. Me fazia sentir que estava em Ouro Preto. Não sei o motivo. (Aliás, tem muita sola do meu sapato pelo Coreu e pelo São Gabriel por causa dessas andanças que a gente empreende para conquistar os sonhos).

Sempre gostei dessa possibilidade da Serra do Curral abraçar 2 milhões de habitantes de uma vez só – sem distinção de nada, de graça, confortante. Acho um tanto surpreendente nossas construções, principalmente as praças. Estamos imersos em um mar de montanhas, que parecem não ter fim quando observadas do alto (E eu tive o gostinho de sobrevoar a cidade quase todos os dias por um tempo – mesmo que para reportar o caos). Minhas paixões maiores: o sotaque belohorizontês, bom de se ouvir; as histórias que aqui residem, verdadeiro patrimônio da humanidade.

Com primeiros e segundos, entre parênteses, travessões e afins.

[De Fernando Brant e Milton Nascimento: “A pulsação do mundo é o coração da gente”.]

Laterais.
Laterais.

Os 15 anos da TV Universitária de Belo Horizonte. Podemos comemorar?

A TV Universitária de Belo Horizonte completa 15 anos em 2013. Ainda é adolescente. Alguns colegas utilizariam este espaço como um verdadeiro muro de lamentações ao falar da emissora (que na verdade é composta por várias instituições de ensino: PUC TV, TV UFMG e UNIBH TV). Com o passar do tempo, ela foi ganhando formas e estruturas diferentes. Numa visão bem pessoal, prefiro compreender que passou por adequações estabelecidas pelos gestores das universidades. E por N fatores: modernidade, tempo, custo, gastos, investimentos e por aí vai.

Eu fiz parte da PUC TV durante 4 anos. Ao entrar, tive a possibilidade de aprender realmente o que é jornalismo – sem ter aquele caráter de laboratório. Fazíamos um jornal diário e ao vivo.  Eram reportagens factuais e produzidas para o extinto jornal “15 minutos”, também veiculado na TV Horizonte. Cheguei como estagiário voluntário. Sai como  repórter contratado. Sou muito grato aos profissionais que me ensinaram e pelas oportunidades que tive. Também sou completo por causa da TV universitária: fui apurador, produtor, repórter, apresentador e editor. Vivenciar tudo isso ainda como estagiário foi um grande diferencial. O trabalho vinha sempre com questões pertinentes: como abordar um determinado assunto sem sensacionalismo, a questão da ética, a prestação de serviço, como construir uma boa matéria com boa apuração, o cuidado com o texto, o desenvolvimento do estilo, o contato com o cotidiano da cidade… Coisas que uma sala de aula, muitas vezes, não ensina.

A PUC TV passou por várias transformações. Até o ano de 2006 contava com 3 telejornais – o “Primeira Edição”, o “15 Minutos” e o institucional “Espaço PUC”. Por redução de gastos, sobraram apenas os dois últimos. E em 2011, ficou na grade apenas o informativo sobre a universidade. Nascia a partir daí uma nova fase, com novos programas. O “Revista” – programa semanal com notícias diversas e o “Giro”, boletim exibido na inter programação da emissora. Tempos de vacas magras, onde a emissora apostou na parceria com o Canal Futura para tentar salvar sua reputação com a universidade. Nesse período, foram vários problemas. O caso “Cacete de Agulha”, por exemplo.

 

Depois que o vídeo foi postado na internet, a PUC Minas convocou uma ‘CPI’ para investigar o caso. Houve pressão para que os funcionários da emissora ‘denunciassem’ os responsáveis pela ‘gafe’. Uma pena. A universidade não soube utilizar o momento para alavancar ainda mais as doações de sangue. O viral tinha ganhado a internet. A solução seria agir com mãos de ferro? A PUC sempre contou com bons especialistas na área da comunicação. A visão tradicional deixou que este caso se transformasse em uma ovelha negra para a instituição. O rapaz no vídeo, segundo funcionários, levou 5 mil da universidade na justiça por danos à imagem.

A emissora já foi vista como o patinho feio por alguns professores – que chegavam até a pedir o seu fechamento. A crise continuava em vários âmbitos: processos na justiça, programação baseada em reprises, a falta de divulgação da emissora na própria universidade. Em outros tempos, a PUC TV realizava palestras. Contou com programas educativos – e não só jornalísticos. Tinha linguagem jovem. Falava também sobre economia, publicidade, música. Ganhou prêmios. Foi a TV do ano. Uma ferida que ainda custa a cicatrizar.  Mas que vem sendo trabalhada. Iniciativas como os programas “Hipótese” e “Reconhecimento” são os primeiros resultados dessa recuperação.

Hoje, na minha opinião, é a TV UFMG que se destaca. A emissora tem o seu jornal diário, o “Circuito UFMG”… além de programas que priorizam a reflexão, a informação e a experimentação. E viu sua estrutura crescer. Não sei se é pela gestão. Fato é que a emissora está cada dia mais interessante, apostando em uma identidade visual moderna e em uma linguagem agradável ao traduzir os assuntos da universidade. Nessa ‘nova’ fase, sai como pioneira. Exemplo para as outras emissoras universitárias regionais e de todo o país.

Nesses 15 anos, a TV universitária formou importantes profissionais para o mercado. E ainda forma. Porém, fica o alerta: precisa de uma administração mais eficaz em alguns itens fundamentais. Menos ego e mais experimentação. E outra: quando passa a ser exibida em sinal aberto?

É preciso pontuar, rever o passado e entender os erros para continuar. Sem ressentimentos. Aparando alguns defeitos. Aqui fica um crítico da emissora e um grande admirador. Torço para que os próximos 15 anos sejam de transformações… Que a TV Universitária continue sendo o espaço de formação, de respiro e de alternativa à TV comercial.

Vida longa!

Programa “Estação”, os 15 anos da TV Universitária (em 4 partes!)

Histórias do passado, bases de hoje.

Em Itabira, Minas Gerais, alguns lugares e pessoas merecem ser apresentados ao mundo. Nesta série, a escritora e jornalista Liliene Dante revisita o passado de sua infância. São histórias de ontem que dizem muito sobre os dias de hoje. Passado, presente e futuro se tornam um tempo só: o tempo da vida.

Até breve.

Encerramos ciclos por necessidade do novo. O meu, há muito, foi encerrado… e pedindo passagem para o novo. Demorou assim mesmo, alguns bons anos, sem culpas. É que talvez seja difícil deixar de estar Belo Horizonte.

Do que vou sentir falta: Do cheiro de café torrado logo pela manhã, na década de 90, ao subir o bairro Renascença e a rua Jacuí. Das aventuras de um estudante no bairro Ipiranga. Das ladeiras e do mirante do bairro Tupi. Das paisagens de outono vistas das janelas, entre a natureza e o ambiente urbano. De subir a rua Espírito Santo e esperar o ônibus – que sempre vinha lotado! – na Praça 7. Da rua da Bahia. Do bairro Santa Tereza. Da PUC Coração Eucarístico. Da querida PUC São Gabriel. Da UFMG. Do UniBH Lagoinha. Das pessoas. Do burburinho. Dos barzins. Do sereno. Nem tanta saudade da Cristiano Machado, do Anel e da Antônio Carlos – mas sim, vivi um bom tempo nesses lugares, escutando Clube da Esquina e outros mineiros! Dos passeios nas praças – todas – Do Papa, da Liberdade, da Savassi… levo memórias, a construção de minha personalidade. A Pampulha foi o hiato para os problemas!

O melhor termômetro da nossa vida são as boas experiências: e eu nunca vou me esquecer dos dias que embarcava no monomotor para sobrevoar a capital. E o dia que que conheci o lugar onde ficam as antenas de TV na Serra do Curral? Aquele local é digno de se tornar ponto turístico: chorei e fiquei sem fôlego com tanta beleza! Com o tempo, lapidei meu sotaque. Quis bem mineiro, comendo sílabas, em tom cadente, com gosto de café, broa e pão de queijo. Com cheiro e gosto de simplicidade, de fogão à lenha, um regionalismo que só nós temos. Fiz amigos: e eles acreditaram mais em mim do que eu mesmo. Obrigado. Encontrei gente com grande coração e sensibilidade. Nos tempos como repórter, descobri as mazelas e os prazeres da minha cidade. Me emocionei. Me emputeci. Me deixei pirar com tantos problemas e a fragilidade que é o ser humano. Lutei com todas as minhas forças por causas que acredito e por coisas que poderiam mudar algumas realidades. Ganhei mesmo perdendo. Valeu cada segundo em busca da notícia. Percebi que ainda vale confiar. Quantas histórias que contei. Fiz pós-graduação durante 6 anos nas ruas de BH – sem glamour, tentando ler as entrelinhas do centro urbano. Comecei como estagiário… me tornei profissional. Falei de economia, política, cultura… Conquistei sonhos e, sinceramente, não esperava tanto.

Cresci falando uai. Faz parte da alma, do cidadão alterosa. Me enredei pelas curvas das serras/montanhas/arquitetura.

Então é hora do até breve. Terminar quer dizer que está pronto. Um pronto do jeito que Belo Horizonte sempre esteve para mim. E sempre estará. Ok, esta é mais uma declaração de amor do que uma despedida. E aproveitando que tem muito do meu ego nesse texto, falta dizer: eu te amo, eu te amo, Belo Horizonte, de peito, braços e coração abertos.

Contabilidade dos sonhos.

E quando dois sonhos se confrontam? Há receita para acabar com esse problema? Vejo a escritora dizer, em um programa de televisão, que sim. É só pedir ajuda ao anjo da guarda. Ela alerta: apenas pensamentos positivos. A explicação é simples: há anjos bons… e também aqueles que são do mal! Conclusão minha? Encontramos até dilemas na hora de pedir ajuda aos céus. Não daria para simplificar? Impossível. Eu ainda nem sei o nome do meu próprio anjo. Mesmo assim arrisco. Peço com fervor e com toda vontade de encontrar a mola no fundo do poço. Agora, realmente: existem algumas coisas na vida que não basta apenas nosso ego querer. É preciso de um jogo de fatores para mudar.

O fato é que quando a vida chega naquele ponto de muitas perguntas é tempo para mudar. A gente é treinado desde cedo para observar os sinais. É o clichê mais presente hoje na sociedade: fuja da zona de conforto – como se tudo fosse muito fácil. Parece que não haverá tempo para realizar todos os sonhos. Cruel é se decidir, por um instante, por apenas um. Como se contabiliza isso?

Vapor dos sonhos. Foto: Liliene Dante
Vapor dos sonhos.
Cidade das luzes.
Cidade das luzes.
Cidade das luzes.
Cidade das luzes.
Cidade das luzes.
Cidade das luzes.
Cidade das luzes.
Cidade das luzes.

Desconfianças.

Deixei combinado com os anjos 9 meses antes: quero nascer sob as bençãos da lua. E é por isso que sou da noite. Perdi um hábito com as obrigações de adulto. O de puxar um banquinho, colocá-lo no quintal, me assentar e ficar olhando as estrelas. Era ainda criança e, quando olhava bem para o alto, parecia que me faltava algo aqui, em terra. Pode parecer loucura, mas tenho 1/3 de certeza de que este não é o nosso berço. Pela diversidade dos seres humanos cogito que pertencemos a outros planetas… e estamos aqui talvez por uma viagem de férias.

Eu mesmo (…) sou do planeta das pedras! O meu quarto é cheio delas: tem quartzo, tons verdes, formatos irregulares, cristais. Quando é dia de verão e está bem quente, coloco algumas no sol. Depois de energizadas, elas vêm direto para o meu corpo: uma forma de matar as saudades da minha terra natal. É uma sintonia perfeita: pele, a cama, a janela com brisa e o luar que despeja esperança.

A hora-limite para se recolher era às 21h. Vovô pegava o seu radinho de pilha e fechava o portão. Descia para a rua e tinha um banquinho no passeio – chegava ali por volta das 20h… era uma hora dedicada para ver quem chegava ao bairro. Não que fosse um pretexto para tomar conta da vida dos outros. Tinha mais uma característica de gente que sempre morou no interior e gostava de uma boa prosa com os vizinhos. Ah, década de 90: não haviam ainda tantos carros na rua. Antônio ouvia Itatiaia e vez ou outra passeava pela rádio Inconfidência. Eu ficava observando a cena. Sentado ao lado dele, aprendi lições que vou levar para a vida toda.

O céu é assim desde quando? As estrelas que se acendem, os astros que passam e formam luz. Os planetas e constelações. Lamento por não me planejar melhor para esses prazeres. A cidade cresceu também; da metrópole é impossível ver o quão claro o universo é… as luzes daqui – das casas, dos carros – ofuscam demais o que é natural.

O frio de um vivo.

Eu respiro profundo.
É como se me deixasse envolver por uma força maior.
O pé inquieto marca a contagem regressiva:
3,2,1… no ar!
Sem me esquecer da entonação, dicção, respiração e das pausas.
Todas ensaiadas previamente;
A notícia é dinâmica, provocadora. Merece o tom certo.
É ela que vai transformar realidades: de uma forma ou de outra.

A cortina está entreaberta: é a tela da TV que se divide em duas.
O coração? Disparado.
Eu me sinto em casa depois das primeiras palavras que surgem.
Fluem, sem a necessidade da decoreba.
Guardo a lição de grandes profissionais: entenda a realidade e, depois, descreva-a.

Uma fusão de essências.
Quando o jornalismo e eu somos um só.
Eu acredito no seu caráter, na sua natureza.
E apesar das críticas…
é a profissão que escolhi para minha vida.
Ou foi ela que me escolheu disfarçadamente?

Niemeyer, o prédio e a moradora de 94 anos.

Um terreno pequeno, de esquina, na Praça da Liberdade. “Aqui é um triângulo”, diz o porteiro se referindo ao espaço. Ao lado, uma obra barulhenta no vizinho museu. É onde a avenida Brasil se encontra com a Praça da Liberdade. O edifício foi construído na década de 50. 10 anos depois que o grande arquiteto Oscar Niemeyer finalizou o conjunto arquitetônico da Pampulha. São pouco mais de 10 andares: cálculo não-exato, natureza de um gênio que mostrava que a arquitetura pode ser simples e sofisticada, ao mesmo tempo, sem brigar. Aliás, Niemeyer tinha disso: nada de ângulos retos. A curva sempre encantou e foi a identidade do arquiteto até o fim de seus dias neste planeta. Assim ficou reconhecido internacionalmente. O comunista brasileiro tinha ideias sólidas e se preocupava com a humanidade. Ouço em uma reportagem: “Estamos formando bons arquitetos hoje… mas esquecemos o lado humano desses jovens! Muitos saem da faculdade sem se quer ter lido um livro”.

Pois bem, muito belo-horizontino já torceu a cabeça imaginando como seria um dos prédios mais ilustres da cidade por dentro. Não há muros: o estacionamento é debaixo dos pés das vigas de concreto que sustentam o edifício. A porta é de vidro e a portaria é apenas um pequeno espaço, pequeno detalhe. O elevador? Antigo! Nada de contemporaneidade nele. Sobe de uma vez com suas portas de madeiras…. e faz barulho. O meu encontro é com uma senhora de 94 anos que mora em um dos andares, lá do alto, daquela construção em curvas. Bato, delicadamente, na porta. A senhora caminha com dificuldades… Mas com sorriso e alegria de viver.

– Você me desculpa, seu menino, mas é que eu já estou ruim de memória. Qual é a sua televisão mesmo?

Estava como repórter. Ela apertou firme minhas mãos. Sorriu para o cinegrafista e o auxiliar de externa. Com muita educação, perguntou qual era o melhor lugar para gravar a entrevista.

– Sabe, meu pai foi o fundador dos biscoitos Aymoré. Mas antes se chamava ‘fábrica de biscoitos Stella’. Ele comprou um terreno próximo ao Rio Arrudas e trouxe maquinário da Suécia… O pessoal falava que não ia dar certo. Mas como bom descendente de inglês, papai teimou. E deu no que deu: uma das maiores distribuidoras de biscoito do Brasil atualmente. Depois compramos um terreno onde é o Diamond Mall. Vivíamos em um castelinho, próximo ao antigo campo do Atlético Mineiro.

– A senhora é de Belo Horizonte?

– Que nada! Nasci em Caeté, há 94 anos. Casei com um dos médicos do antigo hospital de Belo Horizonte. A instituição funcionava atrás da Igreja de São José. O necrotério também era ali perto. Um aperto danado. Meu marido era muito amigo da família do governador Milton Campos. Tinha fila na porta da minha casa com gente pedindo emprego.

– E por que morar no Niemeyer?

– Depois que meu marido morreu, minha filha queria que vivesse em um lugar seguro… Aqui é uma maravilha! Tem uma história que ouço desde que me instalei entre essas curvas. Niemeyer se inspirou para construir o prédio ao ver uma pilha de discos de vinil. E construiu, ele era danado. Não sei se é verdade (…) Mas ficou charmoso demais! O terreno pertencia a uma família de médicos. Eu adoro morar aqui. Olha só esta visão… Posso ver a Praça da Liberdade da janela da minha casa todos os dias. Na minha época de adolescente, namorei muito lá. Que saudades! (Solta uma gargalhada!)

Ela me ofereceu sorvete caseiro. Dona Stella, com 94 anos, também costurava para passar o tempo. É o verdadeiro espírito humano, de fé e parcimônia com as coisas. Hábitos e cultura adquiridos no século passado e que fazem muito bem no dia de hoje. A Nossa Senhora Mística perto da janela, a porcelana da década de 50, os quadros de arte na parede… Parecia cenário de novela de época.

– Gostou do sorvete? Eu misturo o chocolate com o ovo para formar um creme delicioso… não tem gordura não! Tudo feito com carinho! E que é uma delicia. Sentiu o gosto de brigadeiro, não é mesmo? Tem que congelar pra ficar bom.

Se pudesse, teria ficado a tarde inteira com ela. O relógio e as obrigações profissionais não deixaram. Mas antes, pedi uma fotografia. Quero mostrar aos meus netos – no futuro – que conheci pessoa tão ilustre e de tantas histórias. Um patrimônio de Belo Horizonte. Dona Stella é digna de documentários e filme de cinema.

Dona Stella e o jovem de 24 anos.
Dona Stella e o jovem de 24 anos.
Janela lateral...
Janela lateral…
Foto-0041
Uma BH histórica.

Conversa de consultório.

Dia de terapia. Era quando o mundo girava em torno de uma única pessoa: ego demais para colocar para fora. Despiu-se do all star e pisou com as meias coloridas no carpete. Estava com a camisa xadrez e a calça preta favorita. Disso, não poderia se despir. Parecia que as roupas eram da alma. Da janela, uma Belo Horizonte tranquila, em véspera de feriado. Assim gostava mais: sem muito trânsito, com clima de fim de ano e de renovação dos sonhos. Antes de começar a falar, arquitetava o próximo sonho – o de comprar uma cadeira como a do consultório. Confortável, regulável (…) Servia até de cama para dormir.

– Sem querer, me pego imaginando bobagens. Das mais banais… Logo trato de recorrer: Deus, o meu livre-arbítrio está em suas mãos. Faça dele o que quiser. Oro um Pai Nosso e agradeço duas vezes o meu anjo da guarda –  coitado! Ele tem sofrido ultimamente com minhas peraltices e atitude de adolescente inconsequente…

O terapeuta faz cara de mistério, como sempre. Faz um lead jornalístico com seu paciente. Onde? Como? Por que? Quando?

– Ora, seu Doutor. Me vê um remédio para esquecer uma desilusão amorosa? Eu até pago bem se isso for possível.

– Esse remédio é fácil e barato. É só se apaixonar de novo.

O paciente achava que aquilo era neura de terapeuta. Quem era ele para indicar remédio tão difícil assim. Tudo o que ele não queria. Ficou indignado e resolveu fazer valer o plano de saúde. Se abriu para o psicólogo, expondo detalhes até antes nunca conhecidos pelo profissional.

– A menina com sorriso doce e batom rosa me chama a atenção. Muito. Toda vez que observo a fotografia dela, me reapaixono. Esse é só um motivo. Não tenho coragem de me declarar ou tentar uma aproximação descompromissada como fazia há pouco tempo atrás. Me escondo feito criança quando estou perto dela. Falo sério quando peço um remédio para a desilusão amorosa. A última que tive ferra a minha vida. Trava minhas entradas e tentativas de pelo menos recomeçar. Será que tenho vocação para virar padre, viver de celibato?

– Agora é sério: você está complexado demais. Você é jovem, cheio de vida. Está na hora de começar a pontuar suas andanças direito, colocar os pingos nos i’s. Em frente, homem! Parece um saco de batatas. Vamos enterrar esse problema de vez. Passou, passado, portanto, acabou.

A verdade, nua e crua, doía. Engoliu a seco as palavras do terapeuta… se comprometeu a mudar. Bebeu um copo d’água e desceu as escadas do consultório. No ponto de ônibus, olhou para cima. Queria se agarrar às novas possibilidades.

 

Brasileiro, 24 anos, solteiro, jornalista e sem rumo.

Milton Nascimento completou 70 anos (Eu o vi pela primeira vez, ao vivo, em 2010. Foi em um show para a inauguração da cidade administrativa do governo de Minas). Costumo não errar quando encontro almas evoluídas. O brilho é outro. Por falar em alma, quando era criança, tinha medo de topar por aí com os espíritos. Meu avô sempre me fazia medo. “Meia noite, hora em que as pobres almas se levantam dos caixões dos cemitérios e começam a buscar por suas vítimas”, dizia seu Antônio, acompanhado pelo rádio de pilha, com alegria de contar causos do lobisomem, dos sacis e de outros tipos do além. O meu imaginário infantil foi povoado por todos eles e, por isso, aprendi a ter fé: claro, em dias melhores, em horizontes límpidos e em Deus.

Das coisas que me fascinam… Minha avó, aos 90 anos, ainda caminha sobre a brasa – quente, pelando – em datas especiais. Ela vai calmamente e o carvão escaldante não chega a queimar. Eu observo tudo, calado. Não tenho coragem de perguntar qual é o truque. Há truque? Prefiro acreditar que é a fé de uma jovem senhora de energia incrível. Só queria herdar um pouco da força que os meus familiares têm. Sou fraco, me desgasto. Talvez é uma característica que se aprenda. É a minha razão: ser aprendiz ontem, hoje e amanhã.

Quando se faz 24 anos, tudo parece perder a empolgação de sempre. Fico imaginando a juventude de meus bisavós por parte de pai. Eles vieram da Itália para o Brasil ainda jovens. Foram trabalhar em fazendas, sujeitos a uma língua diferente, uma vida que seria longe do país de origem para sempre. Os Teodoro e Castelloni construíram uma família entre as cidades de Raul Soares e Rio Casca: com passagens também em Ponte Nova.  Admiro o que construíram e a coragem que tiveram. Insisto em dizer que vieram para o Brasil em busca de mudança. E é isso que, apesar dos pesares, corre em minhas veias de geminiano.

Por outro lado, não posso deixar de ser forte. É o lado maternal que me coloca na linha e não me deixa desistir.

Pelos idos de 1870, nascia minha bisavó, Jovita da Luz (Jovita significa energia – o que é bem sugestivo). Ela viveu a infância em terras próximas à São José do Goiabal, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Era da tribo dos botocudos – os índios “selvagens, sanguinários e esquisitos”, como descreveram os colonizadores portugueses. “Ela foi pega no laço”, dizia meu avó. Jovita morreu aos 106 anos: trabalhando de forma escrava, sem identidade de terra, esperando dias melhores e com estranheza no olhar quando visitava Belo Horizonte. Assim minha família se constituiu. De cidade em cidade, como estrangeiros, em uma luta para não se perder em meio a tantos interesses. Gerações depois, o drama dos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. O que me espanta é que este é o país da integração e das infinitas possibilidades reais: arbitrarias ou não. O que para um brasileiro de coração – como sou – é muito difícil entender.

O que eu queria mesmo? Voar, com minhas próprias asas. É a realidade que mais me atrai.

A escola da zona rural

– Tenho a impressão de que estou com uma hora a mais nesses dias de horário de verão. Meu relógio biológico é ajustado de acordo com os raios solares. Quando o sol se põe totalmente no horizonte, ele entende que são 7 horas da noite e não 8. Curioso é notar que assim vem sendo de alguns anos pra cá. Será a idade? Sabe o que é mais estranho ainda? Eu não me sinto cansada. Pelo contrário: há um sentimento de gratidão e vontade de fazer um pouco mais do que realizo no cotidiano.

Bebeu um copo d’água. Ele parou, se virou totalmente, abaixou o volume do som – que tocava um blues energizante. Fazia um lanche. Parou para ouvir o que ela tinha para dizer. Ela se escorava em um tipo de armário de madeira; quase um altar, cheio de pedras, velas e incenso. 

– Você é professora, escritora, jornalista. Tem pique de sobra. Por que não fazer a diferença agora e sempre?

– Eu tento. Mas a mudança não depende só de mim. Os meus alunos da zona rural me preocupam. Demais! Desde que assumi as turmas, tomo doses diárias da realidade nua e crua, como dizem os filósofos. Tento imaginar naquelas crianças o futuro do país. Em suas redações, a falta de coerência, erros de ortografia, concordância… pergunto, o que queres que faça Deus? O menino desabafa. Ele diz que não tem tempo para fazer o dever de casa. Trabalha na roça com os pais o resto do dia. Como educar dessa forma, com realidades tão distintas de uma capital, de uma grande metrópole por exemplo?

Silenciou. Por mais que falasse algo, não tinha a receita para a melhoria da educação brasileira. Ela continuou…

– São crianças de coração puro. João, um menino baixinho, me questiona se acredito em Deus. Eu tento convencê-lo que, independente de crenças, eu sou professora sem distinção. Não importa em quem você crê. Seja católico, evangélico, espírita… Mas deixo escapar que sim, acredito em Deus, em uma força divina. Ele se volta com raiva e lança uma pergunta arrebatadora para sua idade. “Se Deus existe, por que há tanta miséria, violência e gente matando gente?” Agora, me diz: como explico a um jovem de 14 anos que tudo é uma questão de livre-arbítrio? Que Deus ama tanto sua criação que a concedeu esse, digamos, direito?

Ela é uma jornalista experiente. Resolveu assumir 6 turmas do ensino fundamental em uma instituição pública na zona rural, no interior de Minas. A notícia era fascinante, provocadora. Mas aquela outra realidade também a fascinava. Uma nova etapa em sua vida profissional, de uma mulher segura do que é e do que faz, com vocação para ensinar e ouvir.

– Sabe de uma coisa? Todos deveriam passar por essa experiência. Apesar de chorar e descobrir que a educação brasileira é ineficiente… está sendo para mim um grande aprendizado. Todo dia aprendo algo novo com meus meninos.

Ela é a professora substituta de português. Mas os alunos nem desconfiam que a jornalista-professora não passa de uma aluna e uma eterna aprendiz. Eles é que são, na verdade, os professores. Lições de simplicidade, humildade e de vida a cada horário de 50 minutos cada.

Leve, como a vida deveria ser.

– Mais suave!

Foi quase uma ordem – transcendental – de um jeito impertinente e sem piedade. Doa a quem doer: Piano é assim, precisa da calmaria de uma noite de primavera em lua cheia e da suave brisa do mar – o resultado, cá entre nós, se chama música-remédio de se ouvir. De uma vez só, com o espírito de geminiano, decidiu que queria mais. Além do piano, buscou também pela flauta e pela prática de umas dedilhadas no violão. E o violino estava nos planos a longo prazo… quanta disciplina para aprender tanto. Boas doses de água e suor (leia-se transpiração!), alguns calos nos dedos. O professor com ares de exigência? Um desafio a ser vencido! Até mais do que tocar tranquilamente e com segurança de motorista de 50 anos de carteira. Ele usava verbos imperativos, vocativos e tudo o que indicasse, na língua portuguesa, o sentido de ordem. Para um aluno dedicado e perfeccionista… ah, seria uma boa dose certa de planejar onde chegar.

Daqui até os vinte e nove anos, vivia o próprio ano do gato. Era um coadjuvante de um filme de Bogart – e, por isso, aprendia piano e outros instrumentos da música clássica e de raiz. Falta ainda 5 primaveras para chegar ao temível retorno de saturno. O inevitável, com as turbulências, pensa a todo momento que esse processo já fora adiantado. Que bom: assim estaria livre para viver sem os fantasmas de cada idade. Em um fim de semana, leu a seguinte frase:

Quando você fica se convencendo de que não vai dar tempo para fazer tudo que precisa fazer, e que principalmente estaria faltando tempo para realizar o que seria agradável a você, na verdade, você se programa para isso mesmo acontecer. O tempo é o resultado das limitações, de nosso temor de aceitar o infinito, que é a verdadeira matéria de tudo. Imaginar repentinamente que levitamos…

No infinito, perdermos as referências de cima, embaixo, atrás ou em frente é uma condição angustiante e vertiginosa. Por isso preferimos as limitações, nos encerrar em conceitos e crenças. Assim surge o tempo, a lei dos ciclos que fará com que essas limitações sejam superadas e tudo retorne ao infinito e além.

Não encontrou o autor e nem o livro do qual o pensamento foi retirado. Apenas algumas referências incertas na internet. Preferiu não arriscar. Achou bonito, profundo. Um verdadeiro tema para um encontro filosófico. Mas, por enquanto, queria voltar para as apostilas com dicas teóricas sobre os instrumentos musicais. O universo da classificação dos sons lhe soava melhor. Um fantástico mundo! – em que poucos tem o prazer de conhecer. Ou de sentir. Assim, bem leve. Como a vida deveria ser.

Cheiro primeiro de verão.

Atenção ex-apaixonados, praticantes da arte de hibernar, preguiçosos e afins: finda o inverno e todo esse tempo de introspecção. Para as próximas semanas, a colheita de tudo o que foi pensado e articulado nos últimos 3 meses (Um viva ao frio, que se despede). É a primavera, o cheiro primeiro de verão. Hora de agir e recomeçar – como os ipês amarelos que deixam o quintal mais bonito. E com a eterna sensação de que somos aprendizes… de muitas e muitas vidas. É isso o que a natureza nos oferece todos os anos: o milagre da renovação.

O que é primavera? Há definição? Sim, com a ajuda dos infinitivos é possível. É como se fosse colocar os pés na terra pela primeira vez. Deixar se emaranhar com o perfume das flores. Cantar uma música de faroeste. Acompanhar a liberdade das andorinhas que voam entre as árvores. Sentir se em paz com o sorriso da criança em um parque de diversão. Um mergulho nas águas geladas das cachoeiras de Minas. Pegar a estrada sem destino e conhecer cidadezinhas. A arte de aprender um novo idioma. O jeito descompromissado de começar uma nova amizade. O ir do sol, no horizonte. A reunião com pessoas queridas em um domingo. O jeito de praticar a esperança de sempre seguir. Estabelecer metas e planos… e cumprir tudo o que já foi elaborado antes. O abraço em conjunto em família. Cuidar de um bonsai.

Em suma, a primavera é o exercício de manter as portas e janelas de sua casa bem abertas para receber novas possibilidades.

Primavera é também a arte de brindar a vida e seus encontros.

Às 13 horas da tarde quase todo belo-horizontino já ficou em dúvida se passava primeiro no Mercado Central ou na pastelaria mais próxima. É comum, já que respiramos ares de liberdade. Você tem fome de quê? Libertas que será tamem, ou seja, liberdade ainda que tardia. E ela deve ser cantada e declamada com músicas de Milton Nascimento e Lô Borges (dois pontos e leia-se Clube da Esquina). Esquinas recheadas de sonhos que não envelhecem você vai encontrar no tradicional bairro de Santa Tereza. Simplificando, em Santa Tereza. Reforçar nossa mineiridade nunca é demais.

Por tanto amor, por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim
Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim
Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura
Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim 

Duas da tarde é a hora de voltar do almoço. O imponente prédio do BEMGE está lá, no mesmo lugar de sempre, entre duas gigantes: Amazonas! Afonso Pena! Mas agora, na minha moderninha vida de adulto, mamãe já não vai mais lá para procurar pelo dinheiro.

Às três da tarde, sinto falta do cheiro de café na rua Jacuí, próximo à um prédio azul e branco, com muitos andares e que parece ser residencial. Cruzo a rua, pergunto aos comerciantes mais antigos, “Onde está a fábrica de cafés aqui do Renascença?” O bom observador me responde, assertivamente, “renasceu em outro lugar desde o fim da década de 1990”.

Às quatro da tarde, na Pampulha, não dispenso a conversa sem compromisso e descubro a mais importante característica de sobrevivência do ser humano: conviver.  Não há nada melhor do que exercitar isso nos jardins da Igrejinha. Parar e contemplar a Casa do Baile é oportunidade e experiência única de descoberta. (Falo das curvas e da água que hipnotizam!) Tem que experimentar, com a sabedoria de tentar absorver uma frase que renova a alma: Velho sim! Ultrapassado? Nunca!

Às cinco da tarde, nos corredores da Universidade Católica, é quase impossível não notar os raios de sol contrastando com a arquitetura do começo do século passado. Não sei se é barroco, se tem um pé no modernismo ou na Grécia Antiga. Funciona como colírio para os olhos. Descobri mais em um ambiente aparentemente tão acadêmico: A arte funciona mesmo é com infinitas possibilidades de interpretação. E não posso esquecer que o reflexo da luz nas paredes dos prédios do conhecimento e nas pessoas torna o lugar assim: mágico. Peço licença para deixar o ego de alunos e professores de lado. Será que acordei no paraíso?

Às seis da tarde, na Praça da Estação, vejo a noite chegar.  A centenária Belo Horizonte se acalma. Maria volta do trabalho, vai pra longe, na periferia, sem medo de exaltar: Grande Belo Horizonte! Tem gente que pega metrô lotado, outros preferem o táxi, a necessidade pede paciência com o ônibus lotado. Como toda cidade grande, os carros estão lá – maioria de um só passageiro – um motorista solitário, que se junta a tantos outros, em pensamentos e talvez até em plano astral: Encontros, mesmo que no inconsciente, são feitos.


Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de pão
Que muita gente boa pôs o pé na profissão
De tocar um instrumento e de cantar
Não importando se quem pagou quis ouvir
Foi assim
Cantar era buscar o caminho que vai dar no sol
Tenho comigo as lembranças do que eu era
Para cantar nada era longe, tudo tão bom
Té a estrada de terra na boléia de um caminhão
Era assim
Com a roupa encharcada e alma repleta de chão
Todo artista tem de ir aonde o povo está
Se foi assim, assim será
Cantando me disfaço e não me canso de viver
Nem de cantar

Faculdades de Comunicação em BH: Sobre ementas e alunos

Todo início de semestre é bem parecido nas diferentes faculdades de comunicação de Belo Horizonte: Para os calouros, apresentação institucional e o reforço de que ‘nossa faculdade é a melhor’. Cria-se então a mentalidade nos futuros alienados comunicólogos que ‘estou na melhor’. 

“Aqui tem de tudo. Sentimos melhor a prática, os laboratórios são mais bem equipados e o mercado lembra é de nós na hora da contratação”, diz um colega estudante de comunicação. “Trabalhei na empresa multinacional X e hoje sou contratado na área. Para mim, a faculdade não acrescentou em quase nada. Só apenas o diploma mesmo. Aprendi tudo sobre a profissão no dia a dia”, reforça uma colega formada em comunicação.

Experimenta-se, muitas vezes, o fator não-verdade na faculdade. Quem se habilita em jornalismo então…

*Ao conversar com um outro colega, estudante de uma das mais ‘tradicionais’ faculdades de jornalismo de Belo Horizonte (que na verdade não é faculdade, mas departamento), uma surpresa. (*Fala adaptada)

“Não sei o que são gêneros jornalísticos. Não aprendi isso na faculdade tive que correr atrás, aprender na marra. Levei um suto ao saber que as fotolegendas são classificadas por funções – a função de ancoragem, complemento e atenção. Não aprendi isso nas aulas de fotojornalismo. No Stand-up da aula de telejornalismo, inventavámos as notícias. Por falar nelas, aprendi qual é a diferença conceitual entre notícia e reportagem – também na marra. As teorias sobre jornalismo já não me lembro mais.  Estou formando e tenho a sensação que deveria estudar mais, mesmo estudando tanto durante 4 anos e saber mais sobre minha profissão”. 

Então se temos alunos que estudam ou estudaram muito e não levaram o curso com a barriga (é o caso desse colega), o que falha?

É fato que, 

– a maioria dos professores de comunicação não cumprem a ementa proposta – ou por ‘picaretagem’, ou por falta de tempo (atrasos, bate papo demais com alunos, falta de disciplina por parte dos discentes);

– a ementa já é tão antiga que não é mais adequada ao momento contemporâneo;

– a prática é vista como coisa de outro mundo em universidades mais tradicionais;

– falta tempo, sobram alunos. 

– a ementa fala uma coisa, o professor faz outra. Qual a razão?

– criou-se o mito de que o aluno de comunicação não precisa estudar. 

– comunicação social não é medicina.

A pensar.